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Não permitam que dúvidas paralisem o acordo UE-Mercosul
Subjects: EU-Mercosur Project Latin America
Esse artigo de opinião teve a coautoria de Isabel Pérez del Puerto, jornalista e comunicadora em financiamento para desenvolvimento
Há um ditado no mundo corporativo de que uma decisão ruim é melhor do que não ter uma decisão. Nestes tempos incertos que estamos vivendo, paralisia não é a melhor maneira para progredir. E mais, paralisia é ainda pior quando aplicada no comércio internacional, o qual tem sido sofrido mudanças constantes. Dentre essas mudanças, tem-se a explosão de diversos acordos de livre comércio. Entretanto, apesar da bem sucedida negociação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE), ainda está longe de ser aprovado.
Após ter enfrentado diversas dificuldades, ainda há oposição de produtores agrícolas europeus devido a receios de concorrência desleal e de associações ambientais, em razão do alto risco de desmatamento na floresta Amazônica. Completando dois anos de estagnação em junho, o atraso no processo de aprovação sem uma perspectiva clara para sua resolução, não resolve nenhuma das questões levantadas anteriormente. Com ou sem o acordo UE-Mercosul, todos os produtos vendidos na UE, seja do próprio bloco ou importado, deve seguir as regras da UE e isso por si só, já deveria afastar as preocupações relativas à concorrência desleal.
Além disso, os 5% de produtos agrícolas importados do Mercosul do total de toda a importação de produtos agrícolas da UE, deve seguir os regulamentos da UE. No caso de carne bovina, o aumento da cota com base no acordo seria equivalente a apenas dois bifes de carne por europeu, por ano. Por outro lado, a indústria agrícola da UE tem muito a ganhar com o acordo, particularmente com produtos de alto valor agregado como vinho e produtos lácteos.
Essas cotas também se aplicam à cana-de-açúcar. Outros produtos, como a soja, já chegam à UE sem impostos e, portanto, o acordo não levará a importações adicionais deste produto provenientes do Mercosul. Entretanto, essas garantias enfrentam alguns dos temores de impactos negativos na Amazônia por causa do acordo. Embora positivo, o impacto macroeconômico do acordo será um pouco modesto. A Comissão Europeia estimou que o PIB da UE aumentará apenas 0.1% e no Mercosul, 0.2%. Além disso, todos os países envolvidos no acordo, incluindo o Brasil, ratificaram o Acordo de Paris. O compromisso de proteger os direitos humanos e o meio ambiente é compartilhado entre todas as partes. As divergências em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente não estão nas normas de fato, mas na efetiva aplicação das regras. As mesmas dificuldades que o Brasil enfrenta para proteger a Amazônia são compartilhadas pela França na floresta amazônica da Guiana Francesa.
A boa notícia é que o acordo Mercosul-UE não é apenas comercial, mas também político, o que facilitaria os contatos bilaterais e a reciprocidade entre ambas as regiões. Sem o acordo, não só as oportunidades comerciais serão perdidas, mas também a capacidade da Europa de construir uma aliança estratégica com o Mercosul, o que reforçaria o compromisso do Mercosul com a inclusão social e a luta contra as mudanças climáticas. A integração econômica entre as duas regiões é um fato. Há mais investimento da UE no Brasil do que na China e na Índia juntos. Por essa razão, as PMEs da UE que foram severamente danificadas pela crise do Covid-19, podem ser as maiores beneficiárias da redução das tarifas de importação previstas no acordo. Adicionalmente, a expansão das exportações da UE para o Mercosul levaria a uma maior integração das cadeias de valor regionais, algo fundamental para o crescimento e estabilidade das PMEs.
Esta é uma estratégia comercial comum. Entre 1999 e 2020, a UE assinou 37 acordos de livre comércio, enquanto o Mercosul só conseguiu negociar acordos bilaterais com a Índia, a África do Sul, o Egito e Israel. Como resultado dessas negociações, as tarifas de importação da UE são inferiores a 2%, enquanto a tarifa média de importação do Mercosul está acima de 10%. Graças ao acordo, as empresas europeias seriam as primeiras a pular essa barreira tarifária que mantém o Mercosul afastado do resto do mundo.
O acordo UE-Mercosul aumentará eficiência e permitirá a diversificação comercial. Cerca de 60% das exportações da UE vão para outros países da UE, e esse número equivale a 69% no caso das PMEs espanholas. A diversificação torna a UE e o Mercosul mais resistentes a mudanças econômicas repentinas, como as de Covid-19. Além disso, o acordo facilitaria a compra de tecnologia da UE, o que levaria a uma produção mais eficiente e à redução das emissões de gases poluentes, tornando o crescimento econômico do Mercosul mais sustentável.
A aplicação provisória do acordo exige que a Comissão Europeia apresente o acordo ao Parlamento Europeu, mas a Comissão não o fará até que haja uma maioria simples no Parlamento que seja favorável ao acordo. As negociações entre a UE e o Mercosul perduraram pelos últimos 20 anos e, se aprovado, este acordo comercial será o maior em termos de população envolvida. O acordo Mercosul-UE trará mais comércio, mas também benefícios sociais e ambientais. Manter o acordo refém da dúvida só fará com que esses benefícios desapareçam.
Esse artigo de opinião foi publicado originalmente no El País